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domingo, outubro 22, 2006

Texto interessante...

Recebi este texto de uma pessoa querida. Fiz questao de publicar no blog para que mais e mais pessoas leiam e tenham acesso a informaçao! Boa Leitura.

O texto é livro mais recente do Frei Betto "A Mosca Azul - reflexão sobre o poder".


"Sempre lutei do lado certo e perdi todas as batalhas", declarou Antônio Callado em sua última entrevista.

(...) Minha esperança não se ancora em teorias políticas, ideologias ou promessas eleitorais. Tem raiz ética: mais que qualquer corrupção, envergonha-me, como ser humano, a miséria coletiva. Todos têm direito a uma vida digna. A desigualdade social me repugna. É uma ofensa à condição humana.
- "A mosca azul", p. 127

O que é ser militante de esquerda? É manter viva a indignação e engajar-se em prol de mudanças que façam cessar a marginalização e a exclusão. Segundo o critério de Norberto Bobbio, jamais aceitar a desigualdade social como tão natural quanto o dia e a noite, com faz a direita. É uma aberração o contraste entre a opulência e a miséria. Ninguém escolhe ser pobre, sobreviver privado de bens elementares à dignidade, como alimentação, saúde, educação, moradia e trabalho. O bicho que Manuel Bandeira viu revirar o lixo, e descobriu tratar-se de um homem, é o resultado de uma estrutura social injusta.
- "A mosca azul", p. 148

Trechos do livro "A mosca azul", cap. XIV
Por Frei Betto

Existe um modelo de sociedade hegemônico, anglo-saxônico, que nos é imposto como ideal. Não temos a possibilidade de visualizar novos modelos históricos, tamanha a hegemonia desse modelo neoliberal. Mas podemos imaginar o que aconteceria se a população da China tivesse, hoje, o padrão de vida americano, com tantos carros quanto os EUA. Significaria, no mínimo, o fim da camada de ozônio. Portanto, o esforço de pensar um novo modelo de convivência social impõe-se como desafio e necessidade.

O neoliberalismo teve como parteiro o Consenso de Washington - a globalização do mercado "livre" (...) Ele apregoa a exclusão do Estado da produção de riqueza e da administração de serviços. Ao Estado caberia zelar pelos interesses privados, defender o patrimônio particular, dirimir contendas e distribuir o excedente. Sobretudo, manter ativas as forças policiais e militares dos "sacrossantos direitos" do capital privado, assegurando ao mercado predominância sobre as demandas sociais. Assim, quanto mais se transferem instituições da esfera pública às mãos da iniciativa privada, tanto mais se considera o Estado "moderno". Privatizar, eis o fundamento do neoliberalismo.

A onda de privatizações submerge também corações e mentes. (...) Meras concessões públicas, como rádios e canais de TV, são tratadas por seus diretores como coisa privada, e ainda se queixam quando o governo requisita o horário para prestar esclarecimentos à nação. Diante da impunidade reinante, há quem privatize, a seu modo, a lei e a Justiça, votando a favor do comércio de armas, linchando suspeitos, massacrando prisioneiros ou exterminando crianças. A chacina da Candelária (1993) e o massacre de povo da rua em São Paulo (2004) são retratos óbvios de uma sociedade que se recusa a encarar os frutos amargos de sua lógica modernizante.

Privatiza-se inclusive a generosidade nesta nação em que vigora um nicho de cultura que considera solidariedade com os pobres um sentimento perigoso e defesa dos direitos humanos, crime que favorece bandidos.
(...)
O neoliberalismo não propõe a inclusão de todos no mercado, e sim a reciclagem e a diversificação da produção para provocar o aumento de consumo dos que já estão no mercado - os que trazem em mãos a renda concentrada. Quem está fora deve ser mantido à distância, controlado, eventualmente assistido por medidas políticas compensatórias, como propõe o Banco Mundial. É o modelo shopping-center de sociedade: ilhas de opulência e consumo protegidas por rigoroso sistema de segurança para evitar que a turba desprovida de renda quebre o encanto dos que pensam os direitos sociais para si e não para todos.

O neoliberalismo reduziu drasticamente as taxas de crescimento de todos os países do mundo; fracassou quanto à distribuição de renda e ao aumento do poder aquisitivo; criou um verdadeiro apartheid econômico e social. Agora, no século XXI, a segregação dispensa chicote e polícia, basta renda, ou melhor, a falta dela, a pobreza endêmica, a vida encerrada no círculo infernal da necessidade imediata - o pão, um chão onde deitar, a comida dos filhos, o confinamento imposto pela miséria, a liberdade supressa, a voz calada, a morte à espreita, quase bem-vinda.

(...) o desemprego corroendo as vigas do proletariado industrial, o pobretariado recortado em bóias-frias, trabalhadores ocasionais, informais, ambulantes. A aranha dependurada no teto por um único fio: o salário. Sem ele a vida não subsiste no sistema. No entanto, ele escasseia, faz-se raridade, preciosidade. Trata-se de uma progressiva e silenciosa eutanásia, praticada pelos tecnocratas que se gabam de seus diplomas das universidades dos EUA.
(...)
Se o capitalismo transforma tudo em mercadoria, bens e serviços, incluindo a força de trabalho, o neoliberalismo o reforça, mercantilizando serviços essenciais, como sistemas de saúde e educação, fornecimento de água e energia, sem poupar os bens simbólicos - a cultura é reduzida a mero entretenimento; a arte passa a valer, não pelo valor estético da obra, mas pela fama do artista; a religião é pulverizada em modismos e atrelada à prosperidade individual; as singularidades étnicas encaradas como folclore; a dieta alimentar é tiranicamente controlada pelas promessas de esbelteza; os desejos inconfessáveis são manipulados; as relações afetivas condicionadas pela glamourização das formas e estimula-se a busca do elixir da eterna juventude e da imortalidade através de sofisticados recursos tecnocientíficos que prometem saúde perene e beleza exuberante.

Tudo isso restrito a um único espaço: o mercado, equivocadamente adjetivado de "livre". Nem o Estado escapa, reduzido a mero instrumento dos setores dominantes, como tão bem analisou Marx. Sim, certas concessões são feitas às classes média e popular, desde que não afetem as estruturas do sistema e nem reduzam a acumulação da riqueza em mãos de uma minoria.

Muitos consideram o neoliberalismo estágio avançado da civilização, assim como os contemporâneos de Aristóteles encaravam a escravidão um direito natural e os teólogos medievais viam na mulher um ser ontologicamente inferior ao homem. (...)

Esse modelo neoliberal de desenvolvimento econômico não é capaz de integrar os pobres, livrando-os da pobreza. A soberania das leis do mercado acentua o fenômeno da criação de duas nações no seio de um mesmo país: de um lado, os privilegiados; do outro, a massa de assalariados e desassalariados sem qualificação nem competência para afrontar a concorrência internacional, como alerta Robert Solow, prêmio Nobel de Economia.
(...)
"Para que não se possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição das coisas, o poder freie o poder", observa Montesquieu. Há, agora, uma supragoverno invisível, porém real, ao qual nenhum outro poder se opõe: os organismos multilaterais e as empresas transnacionais responsáveis pelo processo de globocolonização. Finda a ameaça comunista, o capitalismo já não requer a democracia para justificar-se. Basta-lhe esse simulacro de liberdade democrática que permite ao voto designar quem ocupa os cargos eletivos, sem que se produza qualquer modificação no rumo imposto pelo supragoverno. Este transforma o Estado em mero agente de extorsão nacional, através da cascata ascendente dos impostos, de modo a transferir sempre mais riqueza à elite, detentora dos títulos da dívida pública. Entregam-se os ovos de ouro e, junto, a galinha.
(...)
Expostos à má qualidade dessa mídia eletrônica que nos oferta felicidade em frascos de perfume e eletrodomésticos, alegria em refrigerantes e enlatados, já não há mais espaço para curtir o que nos resta da infância. Perdemos a capacidade de sonhar sem ganhar em troca senão o vazio, a perplexidade, a perda de identidade. Em doses químicas, a felicidade nos parece mais viável que percorrer o instigante caminho da educação da subjetividade. Mercantilizam-se as relações conjugais e de parentesco e amizade. Nesse jogo, como nos filmes de Hollywood, quem não for esperto e despudoradamente cruel, morre.

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